O Labirinto dos Sonhos - Prólogo
:
Não há nuvens, tudo ao meu
redor é um profundo azul-celeste, atravesso veloz esse oceano de ar,
sem saber ao certo onde estou ou para onde estou indo. Sigo sem
destino, sem direção. O fato é que não saber onde estou não é
algo que me preocupe nesse momento. O que sei de verdade é que nesse
exato momento, não estou dentro de mim, estou fora. Era um sonho
lúcido, pode apostar que era.
Cruzo os céus em velocidade
supersônica. Abaixo de mim há uma extensa plantação de trigo, um
mar amarelo-palha sem fim. Alguns minutos sobrevoando aquela
plantação e avisto uma casa, é a sede da fazenda. A habitação é
branca, feita de tijolos e pedras, cercada por varandas. Percebo que
há três moças lá, pairo próximo à habitação, não se sei se
desço ou não. As moças também percebem minha presença, apontam o
dedo para cima. De alguma forma inesperada para mim, elas
reconhecem-me. Tenho certeza de que eu nunca as tinha visto.
-Vejam! É ele?! – Pergunta a
moça loira para as outras.
-Sim! É ele mesmo! – Confirma
a moça negra de vestido dourado.
-O inominável!– Surpreende-se
a moça, morena clara.
As moças acenam para mim,
enquanto questiono-me pelo fato de chamarem-me daquela forma, nunca
tinha ouvido aquela palavra antes. Inominável?! Por que me chamam
assim? Estranhei. As moças acenam novamente, fazem sinal para eu
descer. Aceito o convite delas, desço, cumprimento-as com um
sorriso. Percebi que embora estivessem surpresas com a minha visita
inesperada, de alguma forma já conheciam-me antes, deduzi.
-Você não se lembra de nós?
–Pergunta a loira de vestido vermelho transparente.
-Não, não consigo lembrar-me.
– Respondo.
-Somos irmãs e já te
conhecemos desde a criação das almas. - Responde a negra de
vestido dourado cavado.
-Criação das almas? - Repito o
que a negra disse, achando estranha aquela expressão.
As irmãs abraçam-me, seus
vestidos são transparentes, seus corpos voluptuosos exalam
sensualidade, impossível não render-se àquela sedução. A morena
clara de vestido preto segura minha mão, puxa-me animada até um
divã. Obediente, deito-me, enquanto as outras duas sobem em cima de
mim, roçam seus corpos macios e quentes, cheios de curvas. Tenho a
sensação de sentir centenas de mãos deslizando pelo meu corpo,
uma sensação irrefreável de prazer explode em mim.
Desperto sentindo meu pênis
latejando. Tinha ejaculado, constatei ao puxar a cueca. Faço uma
careta de frustração. Por mais que eu tente, por mais que eu
queira, ainda não consigo alongar muito esses sonhos, tampouco
deixar de ter ejaculação precoce na melhor parte deles.
Levanto-me, vou ao banheiro. Enquanto banho-me, relembro o que tinha
sonhado, as irmãs chamando-me de Inominável, por que raios elas me
chamaram assim?! Tinha sido a primeira vez que, em sonhos lúcidos,
deparei-me com uma situação intrigante como esta.
Nem tentei dormir de novo, já
tinha amanhecido, já estava quase na hora de ir. Arrumei minhas
coisas, mal tomei um gole de café e fui apressado para
universidade. Tinha um encontro na biblioteca da faculdade, Helena
estaria lá. Cheguei primeiro. Enquanto a esperava, aproveitei para
pesquisar no computador da biblioteca se encontrava algo a respeito
daquela palavra que ouvi no sonho. A internet é muito lenta, mesmo
com linhas dedicadas. Logo que o sinal de que estava conectado
aparece, digito o link de um novo buscador que estava sendo bem
elogiado pelos colegas de faculdade, parece que dava para encontrar
qualquer coisa através dele. Quase um minuto depois, aparece na
tela do computador alguns links, passo o mouse no link de
significados e sinônimos.
"Significado
de Inominável
adj. Diz-se do que não possui
nome por não se conseguir definir nem qualificar. [Figurado]
Excessivamente abominável para ser nomeado; horroroso ou péssimo.
(Etm. do latim: innominabilis.e)
Sinônimos
de Inominável
Inominável é sinônimo
De: péssimo, horroroso,
abominável, vil, indigno, baixo, revoltante, inqualificável.”
Aquelas definições, aqueles
sinônimos da palavra inominável ficaram martelando em minha
cabeça. Agora que eu sabia o significado, mais intrigado ainda
fiquei.
Desde que eu descobri, que
conseguia controlar os meus sonhos, aquele mundo tinha virado meu
parque privado de diversões. Não havia regras a seguir, fazia tudo
o que eu queria fazer. Mas a forma como aquelas irmãs referiram-se
a mim, deixou-me com uma pulga atrás da orelha. Ficaria mais atento
em minhas viagens, prestaria mais atenção em meus atos, nas
interações com os seres que povoavam aquele mundo. Meu instinto
dizia que estava acontecendo algo estranho por lá. Muito estranho.
Ainda na biblioteca, embora
tivesse muitas páginas para ler, volta e meia eu distraía-me e
lembrava das coisas que vivia nos sonhos lúcidos, principalmente o
último episódio. Lembrava de detalhes que tinha esquecido. Assim,
montava um quebra cabeça, decifrava um enigma. Não é à toa que
os psiquiatras e psicólogos prestam atenção nas coisas que
relatamos de sonhos. Helena estala os dedos para mim, para ver se
eu volto a prestar atenção no que ela estava falando. Eu realmente
estava distante dali.
-Você tá muito pensativo,
Zanini. Aconteceu alguma coisa?
-Nada, Helena, bobeira minha.
Então você acha que eu tenho que desenvolver essa fórmula?!
-Disfarcei.
Passamos o resto da tarde
estudando para a prova de cálculos. Quando encerramos a sessão de
estudos, convidei-a para ir fumar um baseado lá em casa, quer
dizer, no meu quarto. Acho que ela pensou que era para outra coisa,
porque foi logo dizendo que estava menstruada, que tinha que estudar
um pouco mais. O jeito seria curtir sozinho.
No meu quarto, coloco o som bem
alto do R.E.M. "Losing my religion". Empolgo-me com a
música. Tem algo na letra que mexe comigo. Essa canção é mais do
que motivadora, é visceral, minha alma pula. Enquanto enrolo o
baseado, danço, canto bem alto o refrão,"Oh, life is
bigger!". Fumo o cigarrinho de maconha até queimar o dedo, não
se pode desperdiçar nem um pingo dessa bendita fumaça. Sorrio para
mim mesmo. Já estou chapado, pensei. O lance do baseado começa a
ficar forte, meu coração acelera, fico olhando-me no espelho, vejo
meus braços, minhas mãos, tenho acessos de riso. Aparecem figuras
que se mexem como se fossem tatuagens vivas em meu antebraço. No
outro braço também há figuras mexendo-se. Figuras como o Pato
Donald, Pateta e Papai Noel. Deve ser o barato da maconha, dizia
para mim mesmo.
Deito na cama, fecho os olhos, a
sensação é como se eu caísse de uma montanha-russa, pura
vertigem. Abro os olhos, está tudo normal, tudo no lugar. Fecho
mais uma vez, frio na barriga. Quando abro-os novamente, tem uma
sombra bem na minha frente, encarando-me. Pulo da cama, sem
acreditar no que estava vendo. A sombra era gigante, uns três
metros de altura. Não estava na parede, estava diante de mim,
encarando-me. Passei a mão por entre ela, minha mão a atravessa.
Então a sombra estica sua mão em direção ao meu peito.
-Woooooooooow! - Grito
assustado.
Meu irmão ouviu meu grito,
corre para o meu quarto. A sombra desaparece. Olhei para o meu irmão
meio sem graça, aquilo não era um sonho. Eu estava acordado, disso
eu tenho certeza, mas o que fora aquilo?!
-Que foi isso, Zanini? -
Pergunta-me, preocupado por ter ouvido meu grito.
Eu sento na cama pálido, estou
tremendo. Ainda confuso, sem entender o que aconteceu.
-Não sei, Alvim! Vi alguma
coisa muito louca, não estou acreditando. Tipo assombração, sei
lá. - Respondo desnorteado.
Meu irmão olha para o quarto
todo, não vê nada, a não ser algo queimando no tapete. Recolhe
com a ponta dos dedos a bituca de cigarro de maconha que tinha
restado, coloca bem na frente da minha cara.
-Para de fumar essa merda, mano!
Você tá pirando! Maconha deixa a pessoa esquizofrênica! Quer
ficar igual à vovó?- Alvim sai batendo a porta com força.
No outro dia, convido Helena
para tomar umas cervejas. Era sexta-feira, dificilmente ela
recusaria. Fomos para um daqueles bares underground, com cerveja
barata e bandas que não cobram couvert, que ficam no centro da
cidade. Esses bares são sempre um paraíso para estudantes que,
assim como eu, estão com pouca grana. Helena notou que eu estava um
pouco tenso. Não conseguia deixar de cerrar as sobrancelhas. Ainda
não tinha me recuperado do susto.
-Que foi Zanini?!Você tá
calado, falou muito pouco, parece tenso. Alguma treta rolando?!
-Nada não, Helena! Preocupado
com as provas da faculdade.- Disfarço, mas a desculpa só aguçou a
curiosidade dela.
- Você tem estudado muito, tem
notas boas, conta outra. O que foi dessa vez? Está endividado de
novo? – Ela insiste em saber.
Sorrio meio que constrangido,
balançando negativamente a cabeça.
-Fala aí, de repente posso
ajudar.
Helena
dá um sorriso bem sacana. Conheço aquele sorriso. Aquilo realmente
interessou-me.
-Você não vai falar? - Ela
insiste.
-Claro que não! – Conheço
esse jogo, vai insistir até eu abrir o bico. Começo a rir.
-Zanini, fala logo! - Dessa vez
abraça-me, enquanto persiste em saber.
-Ok, ok, então tá bom! Eu não
sei se eu estava chapado, ou se era outra coisa, mas eu juro que eu
vi uma sombra de quase três metros na minha frente, encarando-me,
lá no meu quarto.
Helena começa a rir. Aquilo
deixou-me muito puto. Tento soltar-me do abraço dela.
-Está vendo, não queria te
contar. – Tomo um gole da long neck.
-Calma, Zanini, você puxou um
baseado, não puxou?
-Puxei. – Respondo em um
resmungo.
-Então! É isso, você viajou,
viu coisa que não havia. Fica tranquilo. Foi só noia.
Dissimulei um sorriso, tentei
convencer-me de que ela estava certa. Só que não.
Mais de duas horas da madrugada,
olho o relógio digital que fica em cima do criado-mudo. Rolo de um
lado para o outro, procurando um jeito de ficar mais confortável, a
cama parece que tem pregos. Lutar contra a insônia, parece um
esforço inútil. Enquanto insisto em dormir, penso no que eu tinha
visto, na conversa que tive com Helena. E se ela tiver razão? E se
tiver sido apenas noia. da maconha?! Agora não sei se tinha sido
real ou não. Olho novamente o relógio, o tempo já tinha avançado
para quatro horas. Desisto de tentar dormir, levanto, vou à cozinha
tomar um copo d'água, minha mão atravessa a porta da geladeira. Eu
sei o que isso significa, tinha dormido, estava sonhando, estava
fora de mim. Nesses sonhos lúcidos tudo é muito sutil, às vezes
você nem se dá conta de que está sonhando, até que você percebe
que pode atravessar coisas sólidas, é tudo muito fluídico, já
que as leis da física são diferentes. A gravidade também é menos
pesada, por exemplo, se der um salto você vai sair voando até
certa altura em linha reta. Já que eu estou fora, é melhor
aproveitar. Resolvo voar um pouco para esquecer o que está me
preocupando. Dou um pequeno salto e atravesso o teto da casa, saio
voando o mais alto que posso. Em um dado momento sinto que minha
perna esquerda está pesada, era como se tivesse algo viscoso
agarrando-se nela. Vejo duas criaturas sombrias segurando-se em
minha perna, elas puxam-me com força, assusto-me com aquilo,
desespero-me, tento com chutes retirá-las. Sinto algo errado além
dessas criaturas em minha perna. Olho para o lado direito e há três
criaturas também escuras agarrando meu braço. Instintivamente
coloco minha mão esquerda no plexo solar e esforço-me para apontar
a mão direita na direção das sombras que me seguram a perna, mas
não consigo mover-me. Estou pesado, caio com aquelas criaturas do
alto, rodopio como um avião que apresenta pane no ar. Arrebento-me
no chão junto com as sombras. Tento levantar-me, as criaturas
sombrias fazem força para que eu não me erga. Dezenas de outras
criaturas surgem do nada, seguram meus braços, minhas pernas,
tentam imobilizar-me. Meu desespero aumenta, tento a todo custo sair
dali, faço muita força, quero livrar-me de qualquer jeito delas,
quanto mais eu luto, mais as sombras puxam-me para baixo. Elas se
multiplicam, do nada aparecem cada vez mais e mais. O esforço que
faço é inútil. A sensação é a mesma de estar em uma lagoa de
piche, cada vez que tento mexer-me, afundo mais um pouco. As sombras
lutam ferozmente para subjugar-me. Eu luto para livrar-me delas a
todo custo. Cansado de todo aquele desesperado esforço, tento
gritar, todavia, inúmeras mãos tapam minha boca, meu nariz, meus
olhos, elas puxam minha cabeça e pescoço em direção ao chão.
Tudo escurece.
– Nãoooooooooo!
Abro os olhos, estou sem fôlego,
coração acelerado. Graças a Deus, consegui acordar. Mal tenho
tempo de sentir alívio, pois, bem à minha frente uma enorme sombra
está encarando-me. Mal posso acreditar que aquele pesadelo ainda
estava acontecendo. Então ela salta, atravessa o teto do meu
quarto. Eu já tinha visto aquela sombra antes, era a mesma que já
tinha-me assustado. Ela está, de alguma forma, a me vigiar,
observando os meus passos no mundo dos sonhos e aqui, disso eu tenho
certeza agora.
Comentários
Postar um comentário