MEMÓRIAS DE FERNANDO REIS

Eu já morei na cidade operária, era desdentado (faltava alguns dentes da frente), tinha uma mulher, filha e uma sogra que fumava feito um dragão. Era feliz trabalhando como estivador. Carregava sacos de cimento a semana inteira, final de semana recebia alguns trocados depois de carregar três caminhões baús, grato com o pouco que recebia, comprava comida, cigarros pra minha ex sogra e um tubo de cachaça pra mim. Não reclamava da vida, pra mim tava tudo bom. Um dia descarreguei sacos de cal, queimei os braços e as narinas, um coroa cansado daquilo se escorava em uma escada, pensei em chutá lo, fazê lo voltar ao batente, trabalhávamos por produção. Ele tava muito mal. Por um segundo me coloquei no lugar dele, imaginei me velho, coluna arrebentada, sem forças, tendo que trabalhar no pesado como estávamos fazendo ali. Aquilo se entranhou dentro de mim, uma idéia de procurar melhoria de vida germinou. Mas fazer o que? Aprender uma profissão parecia o caminho. 

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