A JORNADA DOS GIGANTES
A Juliana Martins
Cairu
desperta daquele pesadelo, imediatamente. Uma mensagem, pensou.O gigante ajoelha-se e ora ao criador, chora
copiosamente, clama pelo perdão por seus pecados. Ao lado dele restos de três
corpos humanos que lhe servirão de ceia. Quando se levanta se dá conta que
ainda é madrugada, mas que os outros gigantes estão despertos também.
-Irmãos,
sonhei com a nossa ruína.
-Não,
Cairu, não era um sonho, era um decreto do criador.
-Não
pode ser irmão, não pode ser!
-Todos
sonharam a mesma coisa, todos ouviram a trombeta, estamos condenados.
Aquelas
palavras de Jafa entranharam em Cairu, para um filho de um anjo, para um filho
de mãe terrena, para ele que é meio carne, meio espírito, a morte não é o
começo de uma nova existência, é o fim de tudo, é deixar de existir pra sempre.
Era o nada.
Durante
dias, Cairu, assim como os outros gigantes, orou e jejuou, até que seu pai, o
anjo Samyaza aparecesse e enfim ele apareceu.
-Pai,
pai, o criador nos condenou, me salve, pai!
-Amado
filho, não há o que fazer, as almas de todos os que foram devorados por vocês
subiram aos céus e clamaram por justiça. Deus decidiu destruir você e seus
irmãos e exiliar me com os outros anjos sentinelas. Azazel por ter ensinado o
homem a arte do metal e das armas será acorrentado e enterrado vivo no deserto,
até o dia do julgamento final.
O
coração de Cairu se enche de terror
-Deve
haver algo que possamos fazer pra que o criador nos perdoe. Nós queremos viver,
pai.
-Fale
com Enoque, o humano. Deus se agrada dele. Talvez ele interceda por você e seus
irmãos.
-Enoque!
O
nome daquele humano trouxe uma fagulha de esperança no coração de Cairu.
Imediatamente o gigante urra convocando todos os seus irmãos para que decidam o
que fazer. Gigantes de toda parte da terra, de todas as raças e tamanhos
atenderam o chamado. Todos também receberam o mesmo decreto através de um
sonho. Todos temiam a execução daquele decreto divino. Até Jubarte, o maior de
todos eles, de sede e fome tão implacável que devorava seus próprios irmãos
veio da região gelada e inóspita.
Em
poucos dias, o vale estava cheio de centenas de milhares de nefilins. O medo
estava escancarado na face de cada um.
-O
que faremos irmãos? A ira do criador paira sob nossas cabeças?
Grita
o gigante Danzu.
-O
Criador nos odeia!
Lastima
o gigante Maruk.
Cairu
pede a palavra e todos silenciam para ouvi-lo.
-Irmãos,
o Criador lançou um decreto contra nós, está insatisfeito com nossa existência.
Fomos acusados de destruir as águas, os plantios, os animais e derramar sangue
de inocentes.
Todos
murmuram.
-Nossa
natureza, nossa fome faz com que tenhamos esse tipo de comportamento, somos
assim, mas podemos mudar pra agradar o criador.
Completa
Cairu.
-Sim!
Louvado seja o Senhor!
Todos
gritam.
-Irmãos,
meu pai me revelou que há um humano que pode interceder por nós, um que anda
sempre com Deus.
-Um
humano?
-Quem?
-Enoque!
Responde
Cairu
-Enoque!
Enoque! Enoque!
Todos
gritam esperançosos.
-Vamos
escolher entre nós, sete irmãos para ir até este humano e pedir ajuda dele. Ele
intercederá por nós. Ele levará nossas orações, nossos pedidos de clemência e
arrependimento ao criador. Ele é nossa salvação!
-Enoque!
Enoque! Enoque!
Os gritos
dos gigantes podiam ser ouvidos em qualquer canto da terra e foi assim que
Enoque que estava no pasto cuidando de uma ovelha ferida ouviu o seu nome sendo
pronunciado pelos gigantes.
Além
de Cairu como líder da comissão, foram escolhidos os gigantes Badul, Maruk,
Sucia, Melcanto, Mocha, Jubarte. Todos os escolhidos foram para o alto do monte
ARMON, lá se purificaram, jejuaram, oraram até que seus respectivos pais
angelicais, os anjos sentinelas Urakabarameel, Akibeel, Samyaza, Tamiel,
Barkayal, Amazarak e Asaradel vieram a terra e os abençoaram,. Já fortalecidos
espiritualmente desceram o monte e se dirigiram a região Oeste, precisamente as
margens das águas de Danbadan onde os pássaros do dia disseram que Enoque
estava escondido dos impios que o perseguiam.
O
caminho era longo, havia cordilheiras, o grande deserto de Dudiel, logo os
gigantes estavam cheios de fome e sede, principalmente Jubarte, o maior de
todos, tinha vinte e cinco metros dos pés a cabeça, conseguia secar uma lagoa
em poucos minutos. Por várias vezes Cairu durante a jornada teve que implorar
para que ele não devorasse aldeias inteiras de humanos, se assim fizesse a
missão estava fracassada. Enoque não se convenceria do arrependimento deles.
-Irmão,
a fome me queima por dentro, dói muito.
Se
justifica Jubarte
-Aguente
firme, irmão, mas a frente haverá uma manada de búfalos pra aplacarmos a fome.
Cairu
tenta encorajá lo.
-Não
podemos mudar o que somos, adoramos a carne desses humanos, mais apetitosa do
que a do porco, doce e tenra. Hum….deliciosos.
Lambe
os lábios Maruk. Todos riem.
-Irmão,
eles são os preferidos do criador, devemos evita los. Entendam.
Cairu
os adverte.
Como
previra, logo a frente havia uma manada de búfalos. Facilmente os cercaram,
Jubarte com uma das mãos segura cinco búfalos de uma vez, que foram rapidamente
devorados. A manada fora dizimada em questão de minutos pelos sete. Um pequeno
incidente acontecera, enquanto devoram os búfalos. Houve um inicio de briga
entre Melcanto e Badul, visto que coincidiu de tentarem comer o mesmo búfalo.
Cairu tentou separá- los, mas só pararam de brigar, quando Jubarte socou a
terra e o chão tremeu.
A
noite chegou e os gigantes se reuniram para orar, contemplar as estrelas e
depois se render ao sono. Eles sabiam que com o decreto, suas orações não
seriam ouvidas, Deus havia virado distanciado sua face deles. Nenhum dos
gigantes confessava, mas todos tinham receio do pesadelo recorrente que vinha
com o sono. A destruição estava próxima.
Mal
amanhece, Enoque já está ajoelhado louvando o Criador, ao seu lado seu filho
Matusalém o imita Quando Enoque termina de fazer os agradecimentos, ouve sons
de trombeta vindos do céu, centenas de orbes descem a terra. Matusalém
aterrorizado se esconde atrás do pai. Enquanto Enoque Maravilhado regozija-se
diante daquela manifestação celestial. Deus gostava das orações de Enoque,
porque nunca pedia nada pra si, sempre agradecia por tudo que tinha e por tudo
que não tinha. Para os olhos de Deus, Enoque era bom e justo. Uriel pousa no
chão a poucos metros de Enoque.
-Enoque
o senhor está contigo!
-Louvado
seja o senhor!
Matusalém
deita-se no chão, com a cara voltada para baixo, seu pai o levanta e leva o até
o anjo.
-Não
temas Matusalém, este é Uriel, um dos generais do nosso criador.
A
luz que emana do anjo ofusca os olhos de Matusalém, que cobre a vista.
-Enoque,
o senhor logo destruirá este mundo, visto que os Nefilins envenenaram a terra
com seus instintos ruins e o homem continua a invocar o nome de Deus em vão.
Lágrimas
escorrem pelo rosto de Enoque. Ele não chora pelo futuro de seu filho
Matusalém, ou de si mesmo, ele chora pela humanidade, condenada ao
desaparecimento com aquele decreto.
-O
coração do homem está endurecido, mas ainda há esperança, Uriel.
-Quem
sabe, Enoque, quem sabe?
Foi
por causa dessa mensagem de Uriel que Enoque percorria as aldeias, tentando
conscientizar os homens a se arrependerem de seus pecados e clamarem perdão a
Deus. Muitos riam, outros se incomodavam e apedrejavam Enoque, tentando calá lo
a qualquer custo. Mas Enoque não tinha medo, não desistia de anunciar o fim e
de pedir que a humanidade se arrependesse de seus pecados.
Enoque
pregava para uma multidão enfurecida, que armada de paus e pedras ameaçava que
se calasse, caso contrário seria morto ali mesmo. Enoque não se intimidou, não
cedeu as ameaças. Enquanto insistia em sua pregação. Um homem levantou uma
grande pedra pra esmagá-lo. Mas antes de jogar a pedrar. Algo o paralisou, seus
olhos se arregalaram, a multidão antes raivosa, corre apavorada. Enoque
vira-se, para sua surpresa atrás de si, sete gigantes. Jubarte dá um peteleco
na cabeça do homem que segurava a pedra contra Enoque e sua cabeça voa por km
de distância, enquanto seu corpo sem vida cai inerte ao chão junto com a pedra.
-Jubarte!
Cairu
olha para o maior dos gigantes o repreendendo por aquela ação, enquanto o maior
dos gigantes apenas encolhe os ombros.
Enoque
olha ainda espantado não consegue parar de olhar para aqueles gigantes,
enquanto um a um deles se ajoelha em sinal de reverencia.
-Nós
reverenciamos aquele que anda com o criador.
Por
horas os Nefilins conversam com Enoque, contam sobre sua jornada atravessando o
mundo, vindo do Monte Armor até encontrá lo e que querem se redimir diante da
humanidade e do criador e que precisavam que ele intercedesse por eles. Após
ouvir a história dos sete gigantes, Enoque se retira, sem falar nada.
-Cairu,
ele nos abandonou?
Pergunta
Sucia preocupada.
-Irmão,
ele não fará nada?
Também
indaga Mokay.
-Mokay,
Sucia, acalmem-se, vamos dar tempo para que ele decida se vai interceder por
nós.
Enoque
de volta ao campo de seu rebanho, observa a paisagem, detém-se na imagem de seu
filho amado Matusalém cuidando do rebanho, sente-se abençoado por estar naquele
mundo tão belo. Então seu coração pesa por todos os inocentes que irão morrer,
que seriam destruídos com a destruição que viria, seu coração pesa com a
simples idéia que aquela imagem a sua frente vai desaparecer, uma forte agonia
o domina e ele desmaia.
Sua
alma viaja pelo tempo espaço, paira sobre terras celestiais, diante de si
Azazel luta contra os Arcanjos Uriel, Gabriel, Rafael e Miguel. Raios de fogos
e luz rasgam o céu, espadas flamejantes cortam a carne espiritual do anjo
condenado, até que cansado finalmente Azazel sucumbe e é acorrentado pelos
anjos. Um grande buraco se faz no deserto, dentro só escuridão e desespero.
Azazel grita enquanto é sepultado vivo dentro do buraco. Os arcanjos sobem até
Enoque glorificando o Eterno. Enoque está com o rosto coberto de lágrimas e os
anjos percebem o desalento que carrega. Não se preocupe Enoque, tudo que vem
dele é perfeito, sua semente não perecerá. Veja!
Milhares
de seres humanos se apresentaram diante de Enoque, todos vivendo suas vidas em
uma terra cheia de fartura e prosperidade.
-Quem
são essas pessoas? Que multidão é essa?
Pergunta
Enoque a Miguel.
-São
todas tuas sementes que vicejarão na terra.
Enoque
imediatamente acorda, não está mais triste, desesperançado, está feliz,
confiante que sua descendência será preservada, ainda há esperança.
Os
gigantes estão sentados a beira das águas, murmuram suas incertezas, enquanto
Cairu um pouco distante de seus irmãos pensa nos últimos acontecimentos até
encontrar o humano. Se Enoque não aceitar ajudá-los, será o fim, reflete.
-Vejam!
Vejam! Enoque!
Alguém
grita.
-Enoque?!
Cairu
se surpreende.
Aos
poucos a figura humana vai se definindo ao se aproximar. Os gigantes correm em
direção ao profeta e se regozijam com a volta dele. Enoque sorri e os
cumprimenta um a um. Então todos se sentam ao redor dele e escutam de sua
última conversa com o criador. E sobre a prisão de Azazel feita pelos arcanjos.
Os gigantes se preocupam com seus pais angelicais que também foram expulsos dos
céus. Enoque tenta animá-los. Pede que cada um entregue a ele suas orações em forma
de memoriais para que ele possa suplicar por eles diante do criador.
Diante
das águas de Dandabar, com toda a minha fé, com toda minha devoção, li os
memoriais dos gigantes, supliquei por horas a fio pela redenção deles, até que
uma cortina de fogo que vibrava apareceu diante de mim, ao atravessá la deparei
me dentro de um palácio com paredes feitas de água cristalina, o teto era feito
de estrelas e cometas errantes, anjos e querubins estavam diante de um trono de
ouro e diamantes. O fogo ardente queimou meu coração com verdades. Tudo era
perfeito, a justiça deve prevalecer. A verdade triunfará. O verbo tinha se
pronunciado, não havia o que recorrer, era o fim dos filhos dos homens, nada
poderia ser feito por eles. Nada.
Encontrei
os gigantes chorando copiosamente, todos suplicando por suas vidas, fazendo
orações inúteis. Com pesar, repeitando as esperanças de cada um, disse com
a justiça que vem de minha alma que o decreto não poderia ser mudado, que eles
deixariam de existir e não poderiam ir até os céus coabitar com as almas
humanas. Nenhum disse nada, nem mesmo o
líder deles, Cairu, um a um, todos se retiraram dali em profundo silêncio. Anos
depois, entregues aos seus instintos os gigantes voltaram as suas regiões de
origem, alguns escravizaram os homens, outros se declararam deuses, exigiram
sacrifícios, poucos se mantiveram fiéis ao juramento de nunca mais levar morte
e desolação pra terra um deles foi Cairu, que Deus o protegeu, não deixando que
morresse assim como muitos de seus irmão no fio de uma espada humana.
As
aves voam em bandos para o sul, os arbustos se agitam com o vento frio que vem
do norte. Gotas de chuva batem no rosto de um velho gigante adormecido. Cairu
desperta, levanta-se, com a dificuldade devido o avançar da idade. Já em cima
do monte Armor observa nuvens escuras que vem do oriente.
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