A JORNADA DOS GIGANTES




A Juliana Martins

A estrela era um pequeno ponto brilhante no céu, perdida entre outras milhares que cintilavam. Sem motivo aparente, começou a aumentar de tamanho, a brilhar cada vez mais intenso, a medida que o brilho se intensificava, ela engolia outras centenas ao redor. Agigantou-se, tomou o céu, era tudo ao seu redor. Não havia chão, não havia horizonte, nada se conseguia diferenciar. Uma trombeta soou, as reverberações daquele som trazia uma nota de medo e desamparo. A luz foi dando lugar a gotas de orvalho, as gotas viravam rios, os rios viravam mares bravios. Gritos desesperados rompiam nas águas. Gritos, pedidos de misericórdia. Duzentos anjos sentinelas olhavam consternados seus milhares de filhos suplicando por suas vidas. Não havia mais luz, só escuridão, furacões, mares bravios e cadáveres por toda parte.
Cairu desperta daquele pesadelo, imediatamente. Uma mensagem, pensou.O gigante  ajoelha-se e ora ao criador, chora copiosamente, clama pelo perdão por seus pecados. Ao lado dele restos de três corpos humanos que lhe servirão de ceia. Quando se levanta se dá conta que ainda é madrugada, mas que os outros gigantes estão despertos também.
-Irmãos, sonhei com a nossa ruína.
-Não, Cairu, não era um sonho, era um decreto do criador.
-Não pode ser irmão, não pode ser!
-Todos sonharam a mesma coisa, todos ouviram a trombeta, estamos condenados.
Aquelas palavras de Jafa entranharam em Cairu, para um filho de um anjo, para um filho de mãe terrena, para ele que é meio carne, meio espírito, a morte não é o começo de uma nova existência, é o fim de tudo, é deixar de existir pra sempre. Era o nada.
Durante dias, Cairu, assim como os outros gigantes, orou e jejuou, até que seu pai, o anjo Samyaza aparecesse e enfim ele apareceu.
-Pai, pai, o criador nos condenou, me salve, pai!
-Amado filho, não há o que fazer, as almas de todos os que foram devorados por vocês subiram aos céus e clamaram por justiça. Deus decidiu destruir você e seus irmãos e exiliar me com os outros anjos sentinelas. Azazel por ter ensinado o homem a arte do metal e das armas será acorrentado e enterrado vivo no deserto, até o dia do julgamento final.
O coração de Cairu se enche de terror
-Deve haver algo que possamos fazer pra que o criador nos perdoe. Nós queremos viver, pai.
-Fale com Enoque, o humano. Deus se agrada dele. Talvez ele interceda por você e seus irmãos.
-Enoque!
O nome daquele humano trouxe uma fagulha de esperança no coração de Cairu. Imediatamente o gigante urra convocando todos os seus irmãos para que decidam o que fazer. Gigantes de toda parte da terra, de todas as raças e tamanhos atenderam o chamado. Todos também receberam o mesmo decreto através de um sonho. Todos temiam a execução daquele decreto divino. Até Jubarte, o maior de todos eles, de sede e fome tão implacável que devorava seus próprios irmãos veio da região gelada e inóspita.
Em poucos dias, o vale estava cheio de centenas de milhares de nefilins. O medo estava escancarado na face de cada um.
-O que faremos irmãos? A ira do criador paira sob nossas cabeças?
Grita o gigante Danzu.
-O Criador nos odeia!
Lastima o gigante Maruk.
Cairu pede a palavra e todos silenciam para ouvi-lo.
-Irmãos, o Criador lançou um decreto contra nós, está insatisfeito com nossa existência. Fomos acusados de destruir as águas, os plantios, os animais e derramar sangue de inocentes.
Todos murmuram.
-Nossa natureza, nossa fome faz com que tenhamos esse tipo de comportamento, somos assim, mas podemos mudar pra agradar o criador.
Completa Cairu.
-Sim! Louvado seja o Senhor!
Todos gritam.
-Irmãos, meu pai me revelou que há um humano que pode interceder por nós, um que anda sempre com Deus.
-Um humano?
-Quem?
-Enoque!
Responde Cairu
-Enoque! Enoque! Enoque!
Todos gritam esperançosos.
-Vamos escolher entre nós, sete irmãos para ir até este humano e pedir ajuda dele. Ele intercederá por nós. Ele levará nossas orações, nossos pedidos de clemência e arrependimento ao criador. Ele é nossa salvação!
-Enoque! Enoque! Enoque!
Os gritos dos gigantes podiam ser ouvidos em qualquer canto da terra e foi assim que Enoque que estava no pasto cuidando de uma ovelha ferida ouviu o seu nome sendo pronunciado pelos gigantes.
Além de Cairu como líder da comissão, foram escolhidos os gigantes Badul, Maruk, Sucia, Melcanto, Mocha, Jubarte. Todos os escolhidos foram para o alto do monte ARMON, lá se purificaram, jejuaram, oraram até que seus respectivos pais angelicais, os anjos sentinelas Urakabarameel, Akibeel, Samyaza, Tamiel, Barkayal, Amazarak e Asaradel vieram a terra e os abençoaram,. Já fortalecidos espiritualmente desceram o monte e se dirigiram a região Oeste, precisamente as margens das águas de Danbadan onde os pássaros do dia disseram que Enoque estava escondido dos impios que o perseguiam. 
O caminho era longo, havia cordilheiras, o grande deserto de Dudiel, logo os gigantes estavam cheios de fome e sede, principalmente Jubarte, o maior de todos, tinha vinte e cinco metros dos pés a cabeça, conseguia secar uma lagoa em poucos minutos. Por várias vezes Cairu durante a jornada teve que implorar para que ele não devorasse aldeias inteiras de humanos, se assim fizesse a missão estava fracassada. Enoque não se convenceria do arrependimento deles.
-Irmão, a fome me queima por dentro, dói muito.
Se justifica Jubarte
-Aguente firme, irmão, mas a frente haverá uma manada de búfalos pra aplacarmos a fome.
Cairu tenta encorajá lo.
-Não podemos mudar o que somos, adoramos a carne desses humanos, mais apetitosa do que a do porco, doce e tenra. Hum….deliciosos.
Lambe os lábios Maruk. Todos riem.
-Irmão, eles são os preferidos do criador, devemos evita los. Entendam.
Cairu os adverte.
Como previra, logo a frente havia uma manada de búfalos. Facilmente os cercaram, Jubarte com uma das mãos segura cinco búfalos de uma vez, que foram rapidamente devorados. A manada fora dizimada em questão de minutos pelos sete. Um pequeno incidente acontecera, enquanto devoram os búfalos. Houve um inicio de briga entre Melcanto e Badul, visto que coincidiu de tentarem comer o mesmo búfalo. Cairu tentou separá- los, mas só pararam de brigar, quando Jubarte socou a terra e o chão tremeu.
A noite chegou e os gigantes se reuniram para orar, contemplar as estrelas e depois se render ao sono. Eles sabiam que com o decreto, suas orações não seriam ouvidas, Deus havia virado distanciado sua face deles. Nenhum dos gigantes confessava, mas todos tinham receio do pesadelo recorrente que vinha com o sono. A destruição estava próxima.
Mal amanhece, Enoque já está ajoelhado louvando o Criador, ao seu lado seu filho Matusalém o imita Quando Enoque termina de fazer os agradecimentos, ouve sons de trombeta vindos do céu, centenas de orbes descem a terra. Matusalém aterrorizado se esconde atrás do pai. Enquanto Enoque Maravilhado regozija-se diante daquela manifestação celestial. Deus gostava das orações de Enoque, porque nunca pedia nada pra si, sempre agradecia por tudo que tinha e por tudo que não tinha. Para os olhos de Deus, Enoque era bom e justo. Uriel pousa no chão a poucos metros de Enoque.
-Enoque o senhor está contigo!
-Louvado seja o senhor!
Matusalém deita-se no chão, com a cara voltada para baixo, seu pai o levanta e leva o até o anjo.
-Não temas Matusalém, este é Uriel, um dos generais do nosso criador.
A luz que emana do anjo ofusca os olhos de Matusalém, que cobre a vista.
-Enoque, o senhor logo destruirá este mundo, visto que os Nefilins envenenaram a terra com seus instintos ruins e o homem continua a invocar o nome de Deus em vão.
Lágrimas escorrem pelo rosto de Enoque. Ele não chora pelo futuro de seu filho Matusalém, ou de si mesmo, ele chora pela humanidade, condenada ao desaparecimento com aquele decreto.
-O coração do homem está endurecido, mas ainda há esperança, Uriel.
-Quem sabe, Enoque, quem sabe?
Foi por causa dessa mensagem de Uriel que Enoque percorria as aldeias, tentando conscientizar os homens a se arrependerem de seus pecados e clamarem perdão a Deus. Muitos riam, outros se incomodavam e apedrejavam Enoque, tentando calá lo a qualquer custo. Mas Enoque não tinha medo, não desistia de anunciar o fim e de pedir que a humanidade se arrependesse de seus pecados.
Enoque pregava para uma multidão enfurecida, que armada de paus e pedras ameaçava que se calasse, caso contrário seria morto ali mesmo. Enoque não se intimidou, não cedeu as ameaças. Enquanto insistia em sua pregação. Um homem levantou uma grande pedra pra esmagá-lo. Mas antes de jogar a pedrar. Algo o paralisou, seus olhos se arregalaram, a multidão antes raivosa, corre apavorada. Enoque vira-se, para sua surpresa atrás de si, sete gigantes. Jubarte dá um peteleco na cabeça do homem que segurava a pedra contra Enoque e sua cabeça voa por km de distância, enquanto seu corpo sem vida cai inerte ao chão junto com a pedra.
-Jubarte!
Cairu olha para o maior dos gigantes o repreendendo por aquela ação, enquanto o maior dos gigantes apenas encolhe os ombros.
Enoque olha ainda espantado não consegue parar de olhar para aqueles gigantes, enquanto um a um deles se ajoelha em sinal de reverencia.
-Nós reverenciamos aquele que anda com o criador.
Por horas os Nefilins conversam com Enoque, contam sobre sua jornada atravessando o mundo, vindo do Monte Armor até encontrá lo e que querem se redimir diante da humanidade e do criador e que precisavam que ele intercedesse por eles. Após ouvir a história dos sete gigantes, Enoque se retira, sem falar nada.
-Cairu, ele nos abandonou?
Pergunta Sucia preocupada.
-Irmão, ele não fará nada?
Também indaga Mokay.
-Mokay, Sucia, acalmem-se, vamos dar tempo para que ele decida se vai interceder por nós.
Enoque de volta ao campo de seu rebanho, observa a paisagem, detém-se na imagem de seu filho amado Matusalém cuidando do rebanho, sente-se abençoado por estar naquele mundo tão belo. Então seu coração pesa por todos os inocentes que irão morrer, que seriam destruídos com a destruição que viria, seu coração pesa com a simples idéia que aquela imagem a sua frente vai desaparecer, uma forte agonia o domina e ele desmaia.
Sua alma viaja pelo tempo espaço, paira sobre terras celestiais, diante de si Azazel luta contra os Arcanjos Uriel, Gabriel, Rafael e Miguel. Raios de fogos e luz rasgam o céu, espadas flamejantes cortam a carne espiritual do anjo condenado, até que cansado finalmente Azazel sucumbe e é acorrentado pelos anjos. Um grande buraco se faz no deserto, dentro só escuridão e desespero. Azazel grita enquanto é sepultado vivo dentro do buraco. Os arcanjos sobem até Enoque glorificando o Eterno. Enoque está com o rosto coberto de lágrimas e os anjos percebem o desalento que carrega. Não se preocupe Enoque, tudo que vem dele é perfeito, sua semente não perecerá. Veja!
Milhares de seres humanos se apresentaram diante de Enoque, todos vivendo suas vidas em uma terra cheia de fartura e prosperidade.
-Quem são essas pessoas? Que multidão é essa?
Pergunta Enoque a Miguel.
-São todas tuas sementes que vicejarão na terra.
Enoque imediatamente acorda, não está mais triste, desesperançado, está feliz, confiante que sua descendência será preservada, ainda há esperança.
Os gigantes estão sentados a beira das águas, murmuram suas incertezas, enquanto Cairu um pouco distante de seus irmãos pensa nos últimos acontecimentos até encontrar o humano. Se Enoque não aceitar ajudá-los, será o fim, reflete.
-Vejam! Vejam! Enoque!
Alguém grita.
-Enoque?!
Cairu se surpreende.
Aos poucos a figura humana vai se definindo ao se aproximar. Os gigantes correm em direção ao profeta e se regozijam com a volta dele. Enoque sorri e os cumprimenta um a um. Então todos se sentam ao redor dele e escutam de sua última conversa com o criador. E sobre a prisão de Azazel feita pelos arcanjos. Os gigantes se preocupam com seus pais angelicais que também foram expulsos dos céus. Enoque tenta animá-los. Pede que cada um entregue a ele suas orações em forma de memoriais para que ele possa suplicar por eles diante do criador.
Diante das águas de Dandabar, com toda a minha fé, com toda minha devoção, li os memoriais dos gigantes, supliquei por horas a fio pela redenção deles, até que uma cortina de fogo que vibrava apareceu diante de mim, ao atravessá la deparei me dentro de um palácio com paredes feitas de água cristalina, o teto era feito de estrelas e cometas errantes, anjos e querubins estavam diante de um trono de ouro e diamantes. O fogo ardente queimou meu coração com verdades. Tudo era perfeito, a justiça deve prevalecer. A verdade triunfará. O verbo tinha se pronunciado, não havia o que recorrer, era o fim dos filhos dos homens, nada poderia ser feito por eles. Nada.
Encontrei os gigantes chorando copiosamente, todos suplicando por suas vidas, fazendo orações inúteis. Com pesar, repeitando as esperanças de cada um, disse com a justiça que vem de minha alma que o decreto não poderia ser mudado, que eles deixariam de existir e não poderiam ir até os céus coabitar com as almas humanas.  Nenhum disse nada, nem mesmo o líder deles, Cairu, um a um, todos se retiraram dali em profundo silêncio. Anos depois, entregues aos seus instintos os gigantes voltaram as suas regiões de origem, alguns escravizaram os homens, outros se declararam deuses, exigiram sacrifícios, poucos se mantiveram fiéis ao juramento de nunca mais levar morte e desolação pra terra um deles foi Cairu, que Deus o protegeu, não deixando que morresse assim como muitos de seus irmão no fio de uma espada humana. 
As aves voam em bandos para o sul, os arbustos se agitam com o vento frio que vem do norte. Gotas de chuva batem no rosto de um velho gigante adormecido. Cairu desperta, levanta-se, com a dificuldade devido o avançar da idade. Já em cima do monte Armor observa nuvens escuras que vem do oriente.





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