O VELHO 2
De repente despertou, estava ofegante, coração acelerado, tinha a impressão que estava sonhando, mas não se lembrava do que de fato. Levantou-se com dificuldade da cama e foi cambaleando até o banheiro. Sua bexiga estava cheia, mesmo assim sentia dificuldade em urinar. Maldita prostata, praguejou baixinho. Fez força até que dois jatos fortes saíram como se tivesse uma bifurcação em sua uretra. Enfim esvaziou-se, balançou algumas vezes o pênis, colocou-o de volta na cueca, enquanto, balançava a cabeça e entortava o canto da boca.
Deitou-se novamente, mas depois de muitos anos nessa situação, já sabe que quando o sono vai embora, não volta tão cedo. Não adianta insistir, nessas horas é melhor levantar da cama antes que pensamentos ruins começassem a atormentar a sua alma. Mas que pensamentos seriam estes? O que ele evitava pensar com uma certa aflição?! Sua mente viajava simultaneamente entre o presente, passado e futuro, criando de sua alma fagulhas de remorso com ansiedade e uma leve melancolia. Se pensava no presente, sentia-se vazio diante de tudo que conquistou e que no fundo não pareceu significar muita coisa. Se pensava no passado, lembrava das coisas que deveria ter dito e não disse, dos murros que deveria ter dado em seus desafetos, de sua capacidade enorme de não esquecer, quando alguém lhe fazia algum mal ou sofrimento. Isso também não era bom. Mas o futuro era o que mais lhe trazia temor, o medo de morrer. O futuro era uma contagem regressiva até o túmulo. Isso enchia seu coração de ansiedade e desespero. Para escapar dessa tridimensionalidade terrível do tempo, buscava distrair-se, evitando a todo custo pensar ou sentir essas coisas.
Andando pela mansão, passou diante de um imenso espelho que está estrategicamente colocado em uma saleta próxima as escadas que levam até o térreo. Olhou sua imagem e interessou-se. Os anos tinham passado, não se reconhecia naquele reflexo. Era outra pessoa, diferente do que havia dentro de si. E o que havia?
O velho desceu as escadarias ainda impressionado com sua imagem no espelho. Joelhos estalavam a cada degrau descido. Estou velho, lastimava-se. Foda-se isso tudo, praguejava sabe-se lá pra quem. Enfim sentou-se em uma cadeira próximo ao balcão da ilha de sua cozinha. O coração já não estava mais acelerado, o passado estava novamente guardado em seu providencial esquecimento, o futuro dava a devida tregua, porque o presente reivindicava todas as mazelas daquele senhor que não conseguia entender como envelhecera tão rápido. A vida é um sonho, a morte o sono, disse baixinho o velho, para não acordar seus fantasmas que no momento estavam e precisavam dormir direito. Ligou o celular, inúmeras mensagens começaram a desfilar, cada uma com um som irritante, que o neto mais novo, na última visita configurou o celular, deixando-o mais produtivo e insuportavelmente chato com esses sons de aviso de mensagens.
Cada mensagem gritava na tela do display, pessoas conhecidas, amantes, grupos de pessoas dos mais variados assuntos. Nada de interessante, tudo lixo, resmungou o velho. Sequer lia as mensagens, dava-se por satisfeito em eliminar as mensagens sem saber o que elas de fato estavam fazendo ali. Tudo inútil, só besteira, resmungava. A última mensagem, era do seu filho, que estava morando em outro país, assim como as demais mensagens dos outros participantes não tinha nada de interessante, eram fotos, memes, videos e reflexões atribuídas a autores que com certeza não escreveram nada do tipo ou semelhante. Mesmo assim, o velho observou o canto superior onde tinha uma pequena foto de perfil do seu filho. Ele com todo cuidado, clica na foto para ver melhor, mas aos sessenta anos, os dedos mais trêmulos e vacilantes nem sempre obedecem o comando da mente. Foi assim que sem querer, ligou no meio da madrugada para seu filho sem querer. Ao perceber que tinha discado por engano ao tocar na foto do perfil, o velho começou desesperadamente a tarefa de desfazer a ligação. O celular estava cheio de fotos, videos, músicas e aplicativos, estava lento e teimoso. Mesmo assim o velho não desistia, apertava inúmeras vezes no botão de desligar mas sem muito sucesso. A única coisa que se percebia nessa luta era o xingamento recorrente do velho:
- Merda, merda, merda, merda, merda, merda!!!
O filho que já não estava entendendo o motivo da ligação naquele horário, tampouco entendeu o motivo do pai xingá-lo daquela forma.
- Merda pro senhor também papai! - Respondeu batendo o telefone.
A esposa que despertara também junto com o marido e que nunca tinha visto ele recebendo ligação naquele horário, desconfiada que fosse alguma amante perguntou quem era que estava ligando naquele horário tão inapropriado.
-Era o velho. - Respondeu antes de virar-se e dormir novamente.
Autor : Fernando Reis
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